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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Os Cheiros


Existem coisas que nunca esquecemos, os cheiros é uma delas, inúmeras vezes nos deparamos com um cheiro e ele nos remete a lembranças remotas ou não. No início de 2010 li “Os Cheiros” escrito por Danuza Leão, tirei a página da revista e sempre voltava a lê-lo. Me sentir,sinto, dentro de todos os cheiros, é como voltar, reviver ou viver. Existem textos, citações, poesias, pensamentos... que nos envolve, toca, passamos a ser parte deles ou ele é parte de nós?
Existem cheiros inesquecíveis. Cada pessoa tem seus prediletos. E basta uma mínima lembrança para que tudo volte: a temperatura do momento, a felicidade ou a tristeza que se sentia, as imagens de quem estava perto, tudo. Tudo. Cheiros podem ser alegres ou tristes. Era muito bom quando se entrava em casa depois do colégio, logo antes do almoço, e se sentia o cheiro do refogado – alho, cebola e tomate – para fazer o picadinho ou o bife de panela enrolado no bacon e preso por um palitinho. Quantos segundos você leva para atravessar o tempo e voltar aos seus 11 anos?
Flores do jardim da casa da minha mãe, em Morro do Chapéu - Bahia, cheiro inesquecível.
Lembra quando há muitos, muitos anos, você ia passar as férias na fazenda? Ah, uma fazenda tem aromas absolutamente inesquecíveis: o do capim, o da terra depois da chuva, o do estábulo onde se ia de manhã bem cedo tomar o leite tirado da vaca, ainda morno, numa canequinha de alumínio. E o cheiro da tangerina? Aliás, tangerina não, mexerica; aquela pobrinha, modesta, de casca fina, que deixava a mão cheirando durante três dias. Esse é um cheiro muito alegre. O cheiro do bolo saindo do forno é para sempre – bolo de tabuleiro, cortado em losangos, com cobertura de açúcar com limão, e um detalhe precioso: naquele tempo, por mais que se comesse não se engordava, e em cima da mesa havia sempre um vidro de fortificante para abrir o apetite. Que felicidade ter tido uma infância no interior! Mas existem outros aromas não ligados ao paladar e também inesquecíveis. O cheiro do mar quando se chega em Salvador – uma licença poética, com licença. E você já teve uma tia-avó que morava numa casa bem arrumada, cujo assoalho era encerado toda semana? O brilho era dado a mão, com uma escova de cabo alto como uma vassoura, e era chegar e ouvir: “Cuidado para não escorregar”. Que cheiro limpo, honesto, que cheiro de gente direita. Será que isso ainda existe?
Mas há também os cheiros angustiantes: os de hospital, de sala de cirurgia. Muito cheiro de flor você sabe o que lembra – melhor não falar disso. E existem os perfumes ricos: de carro novo, de um bom fumo de cachimbo. E vamos combinar: cheiro de alho é bom na cozinha, de sexo no quarto, e é proibido misturar. Por falar nisso, o cheiro do homem que se ama, depois do amor, é melhor nem lembrar para não desmaiar de saudade.
As cidades também têm seu cheiro, cada uma muito particular: se você for levada, de olhos vendados, para o Bloomingdale’s, sabe na hora que está em Nova York. E se respirar um aroma de cominho misturado a curry e a canela vai saber que está no souk de Marrakesh.
Mas existe um cheiro que só as mulheres conhecem. É o que elas sentem quando estão enxugando seus bebês depois do banho. É preciso que não haja uma só pessoa por perto num raio de 200 metros para não haver interferência de qualquer ordem. Sem nenhuma presença estranha – nem mesmo a do pai –, mãe e filho poderão dizer bobagens e rir de coisas que só eles vão entender. Depois do talco, a mãe vai botar o nariz no pescoço de sua cria e cheirar com todos os seus cinco sentidos. No princípio timidamente, mas cada vez mais forte, até quase arrebentar os pulmões de tanto amor. Na hora a gente não sabe, mas um dia vai saber: não existe nada igual a esse cheiro nem a esse momento, e nunca vai haver um melhor. Porque esse é o cheiro da vida.
Danuza Leão é cronista, autora de vários livros, entre os quais Na Sala com Danuza 2 (ARX) e Quase Tudo (Cia. das Letras) FotoEduardo Pozella

2 comentários:

  1. MAS QUE MARAVILHA, ESSA MATÉRIA. -CHEIRO -ESSA MATÉRIA, MIM ARREMETE A MINHA INFANCIA REALMENTE, CHEIRO DE SUMARÉ, CHEIRO DE ORQUIDEAS VERMELHAS. CHEIRO DE CAMBUÍ, CHEIRO DA ILHA , GRUTA DO BREJÕES.CACHOEIRAS ,AGRESTE., DOMINGOS LOPES, F.DOIDO. QUE MARAVILHA, CHEIRO DE LEITE NO CURRAL. BOM. OBRIGADO SEMPRE ESTOU VIAJANDO DE GRAÇA EM SUAS MATÉRIAS........ VALEU

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  2. Comentário recebido pelo Orkut do Newton, meu querido conterrâneo - Neide,gostei do texto sobre os cheiros, um assunto prazeroso de se ler,lembrei de uma reportagem que li onde uma equipe de pesquisadores que fez uma experiência com mulheres sobre a relação entre a atração masculina e o cheiro, foi uma experiência interessante,colocaram vários homens parecidos fisicamente, cada um usando uma camiseta usada pelos pais das mulheres e ainda com o seu cheiro,resultado a maioria das mulheres sentiu atração pelo homem que estava usando a camiseta com o cheiro do seu pai,isso mostra como a mulher tem esse sentido mais desenvolvido, dificilmente um homem se lembra do cheiro da mãe ou do pai porque ele é mais visual,tenho poucas lembranças de cheiros,lembro do cheiro de pão esquentando no forno na casa de tio Anchieta, um cheiro diferente pra quem vinha do soares, quando cheira um pote de canela automaticamente me vem a lembrança de uma canjica com canela por cima, estranhamente tenho uma sensação de cheiro que nunca aconteceu , as vezes me vem a mente o cheio de café sendo feito, numa tarde chuvosa e passando o programa de chaves na televisão, loucura minha, as vezes lembro do cheiro agradável e natural de Satomi Ishii, uma japonesa que morou na minha rua e ficou comigo, gosto de vários cheiros, o cheiro da preparação da chuva é muito legal, enfim obrigado por nos fazer lembrar das nossas boas lembranças olfativas com o seu texto.

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